Foto/Reproducao
A m0rte de Gerson de Melo Machado, 19 anos, attacado por uma leoa após invadir o recinto do Parque Zoobotânico Arruda Câmara, o Bica, em João Pessoa, expôs uma trajetória marcada por abandono, negligência do poder público e sucessivas falhas no atendimento em saúde mental.
- CONTINUE DEPOIS DA PUBLICIDADE -
Na manhã de domingo (30), o jovem escalou um muro de aproximadamente seis metros, entrou no zoológico sem ser contido e alcançou a jaula da leoa Leona. Testemunhas relataram que ele desceu de uma árvore diretamente para dentro do recinto e foi attacado imediatamente. A cena foi presenciada por dezenas de visitantes, separados apenas por um vidro.
- CONTINUE DEPOIS DA PUBLICIDADE -
INFÂNCIA MARCADA POR RUPTURAS
A história de Gerson era bem conhecida por quem o acompanhava desde a infância. A conselheira tutelar Verônica Oliveira, que atua no bairro de Mangabeira, acompanhou o jovem por nove anos e descreve uma trajetória de vi0lações sucessivas.
A mãe de Gerson, diagnosticada com esquizofrenia — mesma condição da avó materna — perdeu a guarda dos cinco filhos. Todos foram encaminhados para adoção, menos ele.
- CONTINUE DEPOIS DA PUBLICIDADE -
Leia também
“Começou ali uma saga para ele ser acolhido”, lembra Verônica. “Em 2017, ouvimos de uma coordenadora que ninguém iria adotar uma criança como ele. Esse menino foi negligenciado, privado do direito de ter uma família e de acompanhamento digno.”
A primeira passagem pelo Conselho Tutelar ocorreu aos 10 anos, quando p0liciais rodoviários federais o encontraram caminhando sozinho à beira da estrada, após fugir de um abrigo. “Ele dizia que queria voltar para Mangabeira, para a mãe. Só depois soubemos que a guarda dela já havia sido destituída”, relata a conselheira.
CICLO DE DETENÇÕES E AUSÊNCIA DE ACOLHIMENTO
Com comportamento instável e sem acompanhamento adequado, Gerson acumulou passagens por delegacias desde a adolescência, sempre por delitos de baixo potencial ofensivo. Chegou a ser internado em unidades socioeducativas, onde, segundo Verônica, se sentia seguro e recebia medicação.
Ao atingir a maioridade, o ciclo de detenções continuou. “Ele pegava motos na rua, andava e depois deixava na delegacia. Todo mundo aqui o conhecia e sabia que o caso era de saúde mental, não p0licial”, afirma a conselheira.
- CONTINUE DEPOIS DA PUBLICIDADE -
Na semana passada, foi preso em flagrante após tentar arrombbar um caixa eletrônico e atirar pedras contra uma viatura. Encaminhado para o Presídio do Roger, foi liberado no dia seguinte, após audiência de custódia, e direcionado para tratamento psiquiátrico.
O diretor do presídio, Edmilson Alves, disse após a m0rte que Gerson teve seis passagens pelo local desde os 18 anos.
“A maioria dos crimmes dele era por dano e pequenos furtos. Ele precisava de ajuda e tratamento. A Justiça entendeu que o lugar dele não era o presíddio”, afirmou.
- CONTINUE DEPOIS DA PUBLICIDADE -
ÚLTIMOS DIAS ANTES DA TRAGÉDDIA
Um dia após ser liberado, Gerson procurou o Conselho Tutelar pedindo ajuda para tirar a carteira de trabalho. “Ele me disse: ‘Tia Verônica, o cara do presídio falou que eu tenho que tirar a carteira, a senhora me ajuda?’”, conta a conselheira.
Sem residência fixa, ele costumava dormir na casa da avó materna, também com esquizofrenia. “Ele era inquieto, vivia andando”, lembra.
Para Verônica, a traggédia é consequência direta da ausência de políticas públicas adequadas.
“Ele precisava de acompanhamento digno, de internação, de tratamento. Temos um procedimento sobre ele com mais de 100 páginas, e nunca houve solução. É muito triste ele m0rrer porque ninguém fez nada.”
A conselheira acredita que Gerson estava em surto quando invadiu o zoológico — e lembra que o jovem tinha um sonho recorrente: ir à África para ser domador de leões.
“Uma vez ele foi encontrado no trem de pouso de um avião, achando que estava indo para lá”, diz.